Rousseau e a botânica


Jean Jacques Rousseau (1712- 1778), escritor e filósofo francês, nascido em Genebra, nunca escondeu seu profundo amor pela natureza, especialmente pelas flores e pelas plantas em geral.

Rousseau, quando sexagenário, resolveu retomar hábitos da sua adolescência. O tempo em que saia pelos arredores de Genebra e, depois , na Savóia, na companhia de Mme. de Warens, fazendo passeios em busca de plantas e flores.

Quando maduro, magoado com os amigos, homem de difícil convivência que ele se tornara, quase um paranóico, desiludido das coisas, decidiu refugiar-se nos matos. Seus livros, ensaios e novelas, desde que ele se tornara um escritor eminente, provocaram furor em todas as partes. Reis, padres, e até os homens de letras que ele admirava, como era o caso de Voltaire, não pouparam críticas a ele e suas idéias, quando não o ameaçavam de prisão.

Chegou a exilar-se, esconder-se por um tempo na Inglaterra, abrigado por Hume. Decepcionado por não ver possibilidades de poder atingir a "felicidade coletiva", desiludido de tudo e de todos, tratou de refazer-se buscando "a felicidade particular".

Conforme a sua misantropia avançou, mais ele afastou-se do convívio social, procurando no silêncio das suas caminhadas pelos arredores de Paris alcançar, na "selvagem solidão", o descanso e a diversão para uma mente saturada e atormentada. Atrás do arvoredo, no meio do bosque, ele refugiava-se dos maus. Assim foi que ele, aos 65 anos, reencontrou a importância da botânica, hábito que ele considerava barato, pois lhe bastava um estilete e uma lupa. Tudo que coletou ele reuniu num grande herbário, onde em cada página, fixada a planta, ele, obedecendo as regras de Lineu, as descrevia e classificava com esmero e cuidado (o herbário de Rousseau encontra-se hoje no Museu Carnavalet , em Paris).

Alguns anos antes dele dedicar-se aos devaneios (Les Rêveries du Promeneur Solitaire, "Os devaneios de um caminhante solitário", registro das suas andanças solitárias e meditativas que ele redigiu de 1776 até a véspera da morte, em 1778), uma senhora das suas relações, aproveitando-se da sua fama de pedagogo, pediu que lhe remetesse umas orientações educativas para a filha pequena. Nasceram então as Lettres Elementaires sur la Botanique, enviadas à Madame Delessert, entre 1771-1773, que tratam da arte de "ver as plantas". "É um costume que se adquire, disse ele, sem precisar-se saber muito sobre o assunto. O que se exige é paciência, pois ela é fundamental para que a pessoa possa admirar as magníficas folhagens, tanto na sua bela inteireza como nos seus mínimos detalhes. A função desse exercício é promover a sensibilização, pois há uma moral naquela atividade cujo objetivo último é a reconciliação com nós mesmos e com o mundo que nos circunda. Um passeio no bosque regenera o ser humano, reativa-o moralmente. Tanto é que em qualquer idade o estudo da natureza afasta o gosto pelos divertimentos frívolos, previne contra os tumultos das paixões, e fortalece a alma de um alimento que a provê a preenche com os mais dignos objetos das suas contemplações". (Lettres...)

Amor pela botânica

Pode-se dizer que a botânica, para ele, tinha uma função terapêutica (palavra desconhecida na época), pois os passeios e o trilhar pelos bosques olhando para aquelas belezas todas, evitavam que germinassem nele, no seu coração, "o fermento da vingança e do ódio". Percebeu que a melhor maneira que ele tinha de punir ou de revidar o ódio que os seus inimigos lhe devotavam era "ser feliz". Se a reflexão, feita num gabinete, entre quatros paredes, entristece, o devaneio, o passeio da mente ao ar livre em meio aos raios de sol, ajuda a descansar. Concentrado-se nos pequenos detalhes, nos caules, nas folhas, nas ervas miúdas que crescem aos redor de um tronco, podia-se ver "o espetáculo da natureza".

Afinal, o que eram as árvores, os arbustos e as plantas, senão "o enfeite e a vestimenta da Terra?". Perambular no meio delas, além de sensibilizar a alma, é uma oportunidade de se admirar a harmonia reinante e apreciar a imensidão do "belo sistema". Rousseau rejeitava o hábito daqueles que se põem a catar plantas somente para fins medicinais, para fazer delas remédios, "ervas para clisteres", tisanas e emplastros, esmagando-as num pilão de farmácia. Elas pertenciam ao anfiteatro da natureza, estavam lá para serem apreciadas e admiradas e não para reduzir as cólicas ou acalmar os febrões e as indigestões.

O filósofo, assim, procurou retirar a botânica das receitas e dos vidros das drogarias para reinserí-la na história natural. Ao encerrar a sua sétima caminhada, a última que fez no verão de 1777, ele registrou: "É a cadeia das idéias acessórias que me liga à botânica. Ela reúne e lembra à minha imaginação todas as idéias que mais a lisonjeiam. Os prados, as águas, os bosques, a solidão, a paz, e sobretudo o repouso que se encontra em tudo isso são continuamente retraçados por ela à minha memória. Ela me faz esquecer as perseguições dos homens, seu ódio, seu desprezo, seus ultrajes e todos os males com que pagaram minha terna e sincera afeição por eles. Transporta-me para as claras habitações das pessoas simples e boas como aquelas com quem vivi outrora. Lembra-me tanto minha infância quanto meus inocentes prazeres, ela me faz saborear novamente e me torna feliz ainda muitas vezes em meio à mais triste sorte que já tenha sofrido um mortal". (Devaneios, pág. 102)

Fonte: Portal Terra - Educação/História "Os devaneios do caminhante solitário"

 

 

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