No jardim de Monet
Por: Rose Aielo Blanco*
O jardim em Argenteul, 1873 (Le Jardim de Monet à Argenteul
- les Dahlias - óleo sobre tela)
Em 1997, mais de 430 mil pessoas foram apreciar parte da obra de Claude
Monet no Rio de Janeiro. Em São Paulo o sucesso se repetiu. As
obras do pintor, o "Mestre do Impressionismo" revelaram para
os brasileiros um aspecto interessante de Monet: seu amor pelas plantas
e pela jardinagem.
Várias telas expostas no Masp, em São Paulo, em 1997,
foram criadas no último período de vida do artista, fase
em que produziu grandes obras. Nessa época, Oscar Claude Monet
(1840-1926) vivia em Giverny, propriedade adquirida na Normandia. Foi
lá que ele cultivou um enorme jardim, construiu estufas e uma
ponte japonesa sobre um lago. O jardim, além de receber os cuidados
pessoais de Monet, chegou a ser tratado por 14 jardineiros! O amor do
pintor pelas plantas pode ser sentido por meio de suas obras: as flores,
a ponte japonesa, o lago com ninféias, o roseiral, entre outros
exemplos, estão presentes em seus quadros. A ninféias,
inclusive, formam um capítulo à parte. Monet cultivava
diversas espécies desta planta aquática e passava horas
estudando-as. Este “carinho especial” pode ser comprovado
em sete telas presentes no Masp, inspiradas nas ninféias e no
jogo de imagens que resultavam do efeito criado entre as plantas e a
imagem das nuvens refletidas no lago: nuvens e ninféias aparecem
compartilhando o mesmo espaço.
Em Giverny, além da casa cor-de-rosa, onde Monet morou até
à sua morte, havia o jardim, que ele transformou num “mar
de flores” inspirador de inúmeras pinturas, em todas as
épocas do ano. A paixão de Monet pela jardinagem, iniciada
desde os tempos em que viveu em Argenteuil, encontrou ali, em Giverny,
um campo vasto para se desenvolver. Este amor pela jardinagem e por
flores raras, além de ser o tema preferido em suas conversas,
era compartilhado com amigos, como o escritor Octave Mirbeau que, em
certa ocasião, lhe escreveu estas frases numa carta: “Como
diz, vamos apenas falar sobre o tratamento das flores, visto que a arte
e a literatura são bastante maçantes. Apenas a terra tem
importância e amo-a como se ama uma mulher”.
Apesar de já estar perto dos 60 anos, durante os meses de verão
Monet levantava-se muito antes do sol nascer, para registrar em seus
quadros aquele momento da aurora em que o céu mudava de cor e
a névoa ainda pairava sobre o rio. Este sentimento em relação
à natureza e à harmonia universal também ficou
registrado em palavras, como na afirmação que o artista
teria feito à Lila Cabot: “Se sair para pintar, não
se esqueça que cada uma das folhas duma árvore tem a importância
dos traços do seu modelo”.
Os jardins de Monet
A Ponte Japonesa, 1899 (Le Bassin aux Nymphéas - óleo
sobre tela)
Em 1897, existiam pelo menos 14 aspectos do “jardim aquático
de Giverny”, no atelier de Monet. O motivo do jardim das ninféias
e o seu espaço envolvente passaram a ocupar a maior parte do
tempo do artista, a partir desta época até o final de
sua vida. Nos seus últimos anos, Monet dedicou-se muito ao projeto
de aplicar suas idéias decorativas tanto na casa como no jardim.
Nesta tarefa, foi auxiliado por seu jardineiro-chefe e mais cinco ajudantes.
Quando instalou o jardim aquático, entre 1893 e 1901, foi necessário
aquecer o pequeno lago para a colocação das ninféias
que Monet mandou trazer do Japão pois, sendo flores sensíveis,
necessitavam de temperaturas menos frias do que as oferecidas pela água
do lago. Sobre a parte mais estreita deste lago é que foi construída
uma ponte, em estilo japonês, retratada em inúmeras obras
do pintor. A combinação entre o estilo da ponte e a colocação
das plantas japonesas permitiu que o jardim de Monet passasse a ser
chamado “ jardim japonês”, embora faltassem elementos
importantes de um jardim japonês tradicional, como por exemplo,
as pedras.
A ponte japonesa serviu de inspiração para que o artista
criasse uma série de obras. Desta série, fazia parte “A
Ponte Japonesa”, na qual, em primeiro plano, aparece o lago das
ninféias e, sobre ele, a ponte que abre a vista para as margens,
cuja vegetação rica e densa se reflete na superfície
da água. O céu, ao que tudo indica, não aparece
na tela propositalmente, para que o olhar concentre-se na flora e na
superfície da água. Esta série de quadros inspirados
na ponte pode ser considerada como precursora dos quadros que retratam
as ninféias, pintados mais tarde, nos quais é possível
ver apenas a superfície da água coberta de ninféias,
vista muito de perto.
Ninféias, 1914 (Nymphéas - óleo sobre tela)
A ponte japonesa foi equipada com uma cobertura de madeira na qual,
mais tarde, foram plantadas glicínias, e serviu de modelo para
as representações extremamente expressivas e abstratas
da ponte entre os anos de 1923 e 1925.
O jardim era, de fato, uma obra-prima de Monet - concebido cuidadosamente
de acordo com as idéias do artista. Ali, até as formas
e as cores das plantas eram selecionadas sob os seus cuidados. Sabe-se,
por exemplo, que um dos jardineiros tinha a incumbência de tratar
permanentemente de manter a composição das ninféias
na superfície do lago, da forma desejada por Monet. Esta área
- arranjada de maneira artística e, de certa forma, separada
do resto do jardim - com as ninféias, a ponte, a região
à margem do lago com salgueiros, íris, agapantos e o arco
das rosas tornou-se fonte dominante de inspiração para
o artista.
Tudo isso ficou registrado não só nas telas. No ano de
1908, ao se referir sobre as paisagens com as ninféias que lhe
inspiraram muitas obras, Monet escreveu estas palavras: “Estas
paisagens refletidas tornaram-se para mim numa obrigação
que ultrapassa as minhas forças, que são de um velhote.
Mas, mesmo assim, quero chegar ao ponto de reproduzir aquilo que sinto...
e espero que estes esforços sejam coroados de êxito”.
Artigo publicado na Revista Tempo Verde - ed.Julho/97
*Rose Aielo Blanco é jornalista e editora do www.jardimdeflores.com.br